Como fazer com que a tecnologia impulsione o seu negócio — lições para CTOs

EquitasVC
11 min readJan 20, 2023

“A gente vê muitos líderes hoje de tecnologia que são formados em tech e são excelentes técnicos. Porém, não conseguem fazer a “cola” entre produto e negócio. E eu falo por experiência: eu mesmo já tive muita dificuldade de me comunicar com os times de negócios porque acabava me apaixando pelo produto e não entendendo as verdadeiras necessidades da companhia.”

A fala acima é da Izabela Anholett, CTO da Exame. Com toda a sua experiência, a Izabela já passou por grandes altos e baixos. Ela já viveu na pele a dificuldade de ser uma pessoa tech e não conseguir se comunicar com os times de outras áreas. Na visão dela, a tecnologia serve para suportar todo o restante. Uma boa parte dos problemas de uma organização, desde questões mais internas até mesmo com clientes, pode ser resolvido através de tecnologia. A entrevista de hoje é sobre isso: de como a Izabela se tornou uma CTO mais orientada para o negócio do que para produto.

“Por ser de uma área muito técnica, ninguém vai te entender, não é? Existe muito por aí: “Essa coisa é técnica, ninguém vai entender o que você fala.” Tá, mas espera aí, se o meu interlocutor não entende o que eu falo, o problema é do meu interlocutor, de quem está me ouvindo, ou o problema é meu? Eu vejo como um problema meu.. eu não estou me fazendo entender. Pra você ter uma ideia: eu sou formada em administração de empresas e já fui contratada para a área de tecnologia, porque há 15 anos precisavam de alguém em tecnologia que fosse fazer o intermédio entre o que a área de negócios estava precisando e o que os desenvolvedores de tecnologia falavam.”

“É uma mudança também nessa percepção de que não é a empresa inteira que tem que se curvar, que tem que entender o technês de tecnologia. Na verdade, são os líderes de tecnologia que tem que esquecer um pouco a língua técnica e falar o idioma que todo mundo vai entender: o idioma do negócio. O que é esse idioma? É receita, custo e clientes. É isso que as pessoas entendem. É dever nosso dar um jeito de conseguir falar isso.“

Apesar de parecer óbvia, a tarefa não é simples de ser executada. Elencada em algumas lições, a Izabela nos conta os principais aprendizados dela na transição de se tornar uma CTO orientada para o negócio da companhia — e os frutos que ela pôde colher com tal mudança.

PRIMEIRA LIÇÃO — APRENDA COM O USUÁRIO

Um dos erros mais comuns cometidos pela Izabela, no início da sua carreira, era reclamar demasiadamente do usuário — de colocar nele a culpa do mau uso da ferramenta. “Eu ficava pensando: como que o usuário não consegue fazer isso?” Com o tempo, você vai vendo aqui que se não é o usuário, você não existe. Se você não tem ninguém para usar tecnologia, não precisam de você. Se você não tem ninguém que te chama para discutir, que te chama para tirar uma dúvida, tem problema aí. Sem o usuário, o teu papel, enquanto tecnologia em uma organização, não existe”, ela explicou.

Mas, como o problema foi identificado? Ouvindo feedbacks.

”Uma vez, eu recebi um feedback da diretora de vendas. Na época eu ainda era gerente de TI, tinha acabado de virar head de tecnologia. Era meu primeiro cargo como diretora. Ela parou na minha porta, olhou para mim e falou “eu recebo muitas reclamações dos meus gerentes de loja de que a internet não funciona, de que um computador não funciona, de que o sistema não está conectando e você está achando que está tudo lindo? Eu acho melhor você rever seus conceitos para a gente poder trabalhar bem juntas.” Para mim, foi “Caraca, como assim?”. Eu estava por trás de todos esses processos dentro da companhia, mas priorizava eles de um jeito que parecia (agora) não estar sendo o ideal. Eu entendi o que era prioridade e o que não era. Eu me defendia por trás desse de backlog, então, os meus indicadores eram todos verdes. Meu nível de satisfação estava ótimo, apesar de ter algumas centenas de usuários insatisfeitos.”

“Quando esta diretora de vendas chegou para mim e me deu essa porrada, pensei “Espera aí, por que que ela está me falando isso?”. Comecei a fazer algumas conversas com gerentes de loja. Eu fui entender os problemas que eles tinham e eu não tinha noção que aquilo existia. Não tinha ideia. Comecei a fazer reuniões com todos os gerentes regionais em varejo. Ouvia as dores deles e, em algumas semanas, as resolvia. Nem sempre eu conseguia resolver todas, mas a gente ia atrás da maioria delas. Em pouco tempo, esses mesmos gerentes, que reclamavam de tecnologia há um tempo atrás, começaram a nos defender. Eu estava gastando 1h do meu mês para fazer reunião com cada um deles e o nível de satisfação interna melhorou bruscamente.”

SEGUNDA LIÇÃO — MAOMÉ VAI ATÉ A MONTANHA

Izabela percebeu que, muitas vezes, as pessoas nem sabem como a área de tecnologia pode ajudá-las. É necessário quebrar o ciclo de que a Montanha vai até Maomé, mas sim, fazer com que Maomé vá até a Montanha — a tecnologia em favor dos times. “Eu achava que todo mundo tinha que vir até mim. Eu pensava: “Se não vierem falar comigo, tudo bem, eu vou fazer outra coisa na minha vida, vou seguindo a minha história e você que se vire.” Mas, não é bem assim.”

Izabela Anholett, CTO da Exame

O segredo, segundo a Izabela, é ter uma escuta ativa. Ouvir os problemas e lutar para resolvê-los, independente de quem seja a solicitação. “Todo mundo está no mesmo barco. A relação da tecnologia com os outros times / clientes tem que ser algo amistoso e transparente. Os problemas tem que ser trazidos, escutados e resolvidos. Você não precisa resolver 100% deles — longe disso. A fila de TI é grande demais pra isso” — brinca a Izabela. “Prioriza os problemas mais importantes, resolvê-os e o restante você trabalha pra resolver, mas deixa claro pra pessoa que eles são menos prioritários.” A pessoa vai entender que você está com o trabalho em andamento. Foi com isso que eu comecei a perceber que não tenho que brigar com a área de um negócio. Eu não tenho que brigar com as áreas que trabalham comigo.”

TERCEIRO ERRO — PRIORIZAR NÃO É PAPEL DE TECNOLOGIA

O terceiro erro, pontuado por Izabela no começo de sua carreira, foi o de achar que a área tecnologia precisava priorizar as tarefas que entendia como importante. Assumir esse papel fez com que tivesse um desalinhamento muito grande com as pessoas de outras áreas da empresa.

“O erro é querer que a tecnologia diga qual a prioridade do negócio. A gente tem diversas formas de construir isso. “Todas as áreas de negócios precisam mandar o seu projeto 3 meses antes, porque eu tenho recurso, porque eu tenho dinheiro e eu tenho que limitar aqui.” Eu, tecnologia, vou escolher? Não, tecnologia, você não tem que escolher. Você tem que ajudar o negócio a escolher a melhor forma.“

“As pessoas brigavam muito com tecnologia no sentido de que “se tecnologia não quer fazer, não sou eu que não quero entregar a receita maior, não sou eu que não quero diminuir custo, é tecnologia que não me prioriza” e aí começava uma discussão. Aí vinha o diretor, vinha toda aquela galera com essa informação. Gerava um desconforto muito grande.”, comenta ela sobre esses momentos.

“O que eu comecei a fazer foi sentar com cada diretor. Eu passava 2 meses em budget com eles. Tudo o que eles queriam eu botava no papel. Falava com o CFO e que o sonho de todo mundo vai custar tanto e perguntava “quanto que tem que ser o EBITDA?”, e eles ele respondia “o EBITDA tem que ser tanto e o corte de custo, vai ser 20%”. Aí, eu chamava todos os diretores e deixava eles brigarem. Eu falava “galera, eu tenho R$1 milhão para gastar em projeto. Briguem!”. Colocava o CEO no meio e via quem que ia fazer. Então, era área comercial, discutido com publicidade, discutido com marketing, discutido com supply, discutido com finanças. Não era tecnologia decidindo.”

“O poder de você ser transparente com as pessoas do tipo, “olha, todo mundo tem budget, todo mundo tem limite de custo e eu também tenho limite de custo”. O limite de custos, de pessoas é esse e o ano só tem 12 meses. 9 mulheres grávidas não fazem um neném em 1 mês. São 9 mulheres grávidas que vão levar 9 meses. Então, não adianta ficar botando uma recurso aqui que não vai sair mais rápido. Aí, eu comecei a levar eles para essa discussão, me facilitou muito. Porém, até eu chegar nesse momento, eu tive que primeiro ouvir todo mundo, ouvir reclamação — uma a uma.”

BOAS PRÁTICAS EM SUA CARREIRA

1) Sobre contratar pessoas

A primeira coisa que a Izabela procura ao contratar novos desenvolvedores é a capacidade de comunicação, pois isso mostra se a pessoa será capaz de lidar com diferentes tipos de pessoas. Além disso, ela também procura pessoas que tenham interesse em conhecer mais sobre o negócio.

“O que eu olho quando eu vou contratar, porque aqui também eu tenho devs que não são totalmente técnicos. São desses que conseguem fazer uma conversa. Primeira coisa a pessoa precisa ter comunicação, precisa conseguir falar. “Izabela, é um must?”. Não, mas isso te mostra se essa pessoa vai conseguir ou não lidar com diferentes pessoas. Acho que esse é o primeiro ponto.“

”O segundo, que foi bom pra mim e que é importante definir, foi entender quem não sabia sobre negócios e para mim isso foi super importante. Então, eu contrato pessoas boas e eu faço algumas perguntas sobre o meu negócio. Você sabe o que que é um editorial? Você sabe o que é adds? Você sabe o que é revista física? Você conhece um pouco disso tudo? Se a pessoa falar que não, mas fizer perguntas inteligentes, eu gosto. Pelo menos a pessoa se mostra interessado em conhecer o que você faz.”

2) Sobre conhecer o negócio

“O que eu gosto de fazer muito quando eu chego em algum novo lugar é conhecer como a empresa ganha dinheiro. Por exemplo, estou na Exame há 8 meses e a primeira coisa que eu fiz foi conhecer todas as linhas de receita nas minhas primeiras 2 semanas. Eu sentei com editorial, publicidade, marketing, educação e fui entender como que eles faziam aquilo. Foi a primeira coisa que eu fui olhar. Depois, eu fui olhar meus custos e como é que eu suportava tudo aquilo. Eu não fiz o oposto. Querendo ou não, também deu segurança para os meus líderes, para os CEOs, com quem eu trabalho. Tipo, “ela é muito boa de entender o nosso negócio. Ela passou 2 semanas fazendo isso, ela já deu várias ideias novas”.”

”Acho que isso pra mim também é uma coisa super interessante. Se você está chegando em algum lugar, está construindo uma empresa e quer entender o que você deve fazer, olha as suas linhas de receita. Entende como é que você gera dinheiro. Um CTO precisa ter isso na ponta da língua. Eu preciso saber que publicidade no meu site gera dinheiro de tal e tal forma, porque eu posso impactar isso querendo ou não, né? Então, é super importante você realmente saber, não fingir que sabe.” — conta a Izabela.

“Tem reunião que eu participava aqui no começo e, apesar de eu já vir de uma empresa editorial, aqui tem coisas que são muito diferentes. Eu anotava tudo e aí eu ia em uma pessoa X e perguntava, não ficava perguntando no meio da reunião. Isso me facilita agora muito no meu meio, porque eu entendo exatamente o que eles falam, consigo falar o mesmo idioma, no mesmo vocabulário. Isso para mim é importante. “

3) Sobre credibilidade com o time

Izabela compartilha sua visão sobre o que é preciso para ser um bom CTO. Ela afirma que o que ajuda no seu trabalho é o conhecimento da lógica da operação — entrar muito no detalhe, na visão dela, pode enviezar o/a líder a ficar muito preso na concepção do produto.

“Você tem que ter a parte técnica para ser um bom CTO também. Eu não sei ler uma linha de código, mas isso não me atrapalha no meu trabalho em nada, sabe? Porque eu tenho a lógica, eu sei como é que funciona o banco de dados, eu sei como é que funciona o banco de dados relacional, eu sei como é que funciona a área de desenvolvimento, eu sei qual é a lógica para um sistema funcionar, porque eu já fui desenvolvedora funcional. Então, o que eu trago hoje para a mesa também é essa parte mais técnica, de olhar para uma arquitetura e falar assim “não está bom. Essa arquitetura pode funcionar, mas é melhor assim, assim, assim e assim.”

“É importante também, você conseguir ter esse nível de discussão de lógica. Não com a linguagem que você vai fazer de como o código vai ser escrito, mas qual é a lógica por trás daquela programação? Para o seu time também te admirar. Caso contrário, uma hora ou outra, seu time vai olhar para você e falar assim, “ela é muito boa navegando em várias áreas, falando com todo mundo, entendendo demanda. Ótimo, mas quando vai falar o que dá e o que não dá para fazer em tecnologia, ela é péssima”. Se isso acontecer, acabou. Você não tem time. Então, você também tem que se dedicar. Para mim foi a parte mais difícil, porque eu não vim de uma formação técnica. Para mim, o mais difícil foi conseguir entender o “technês”.

4) Sobre transparência

A transparência é uma característica importante no mundo da tecnologia. Izabela destaca a importância de se ser transparente sobre problemas e dificuldades, e como essa transparência pode ajudar a evitar mal-entendidos e criar uma cultura de confiança. “Transparência é importante. Quando você encontra alguém de tecnologia e esse alguém tem medo de falar o que está acontecendo, por exemplo, eu estou te contando tudo isso e parece uma história linda, mas eu já passei o Black Friday, na qual o sistema da loja caiu no meio da Black Friday. Aconteceu. Adiantaria eu ficar escondendo? Não. Adiantaria eu fingir que durante a live da Black Friday, o link da internet que eu tenho aqui para suportar caiu? Não. Todo mundo já percebeu. Eu não gosto de trabalhar com pessoas de tecnologia que possuem esse medo, em que tecnologia é uma caixinha preta, sabe? Uma caixinha de Pandora que ninguém sabe quando abrir o que vai acontecer ali.”

“Eu já cometi muito esse erro. Até mesmo pelo sentimento de “se eu falar todo mundo vai me criticar, porque o sistema caiu”. Mas na verdade era o oposto. Quando eu falava que caiu, todo mundo: “Olha! Eles sabem que caiu”. Depois de um tempo, eu avisando que caiu, o que acontecia se alguém sentia a rede balançar, que o sistema estava fora do ar? Eles ficam: “a tecnologia não avisou, e se a tecnologia não avisou, dever ser problema do meu computador. Vou reiniciar”. Então, você começa a criar uma cultura em que as pessoas já sabem que você vai falar do problema.”

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